Castigo físico não ensina e causa danos na saúde mental das crianças, diz psicólogo
Entrevista Bruno Pael- Psicólogo
Apesar das palmadas ainda serem muito usadas para ‘educar’ as crianças, estudos afirmam que quando o adulto bate no filho, ele está reconhecendo que ficou impotente diante da atitude da criança. Mostra claramente que perdeu o controle de si mesmo e a agressão passa a ser a única maneira de manter a autoridade.
Além disso, depois de bater muitos pais se arrependem. Essa atitude contraditória não é positiva para a criança. E como agir, então, em situações em que as crianças tiram os pais do sério ou ultrapassam limites? Em entrevista ao PROGRESSO o psicólogo Bruno Pael dos Santos explicou como as agressões físicas são prejudiciais para a saúde mental das crianças. Ele ressaltou que existe uma maneira correta de educar e corrigir os filhos. Confira:
Por muito tempo foi considerado normal os pais agredirem os filhos fisicamente como forma de ‘educação’ e apesar da conscientização atual, essa prática ainda ocorre nos dias de hoje. Quais as marcas trazidas pela geração atual que podem ter relação com castigo físico sofrido na infância?
Infelizmente a punição física ainda é utilizada como recurso pelos pais para controlar os comportamentos dos filhos. Interessante frisar que essa prática, que ainda é muito recorrente, vem de uma cultura na qual as crianças não são consideradas tão Sujeitos (no sentido de indivíduos constituídos) quanto um adulto e, ao mesmo tempo, estes a consideram como um miniadulto. Com isso quero dizer que as crianças não são respeitadas como os adultos são, mas, ao mesmo tempo, os pais esperam que manifestem a mesma capacidade de controlar seus comportamentos que um adulto maduro manifesta. Espera-se que ela seja capaz de raciocinar sobre seus atos como um adulto, algo que não é possível, visto que seu desenvolvimento cognitivo ainda está incompleto.
Diante da falta de informação que acarreta em menos recursos para lidar com a educação dos filhos, pais e mães apelam ao que causa medo como forma de controlar comportamentos, aí entra a punição. É comum que os pais confundam controle com autoridade, mas estas são coisas diferentes. As marcas que isso traz podem ser variadas. As mais aparentes são:
perpetuação da violência como recurso “educativo” para a geração seguinte (filhos dos filhos);crença de que, caso haja situação de discordância com outras pessoas, a violência é uma forma de resolver a divergência; crença de que violência também é sinônimo de amor, uma vez que se tem a ideia do famoso “eu te bato porque eu amo, um dia você vai me agradecer”. Com isso também vem a possibilidade de que a criança punida se torne um adulto que tem dificuldades para sair de uma relação abusiva, por exemplo, já que entende a punição/violência como sinal de amor; tendência de evitar situações onde pode manifestar iniciativa própria, tornando-se alguém majoritariamente passivo, com pouca autonomia diante da vida; sentimentos de inadequação, incapacidade e baixa autoestima; dificuldades de aprendizagem, agressividade na escola e aumento da tendência à delinquência juvenil; sentimentos de hostilidade, raiva, vergonha, culpa, medo e ansiedade.
Os pais que punem têm a impressão de que este recurso funciona bem por dois motivos. Primeiro porque a criança para de manifestar o comportamento indesejado imediatamente, algo que dura por um curto prazo. Segundo, porque punir da aos pais a sensação de retomar o controle. É algo que alivia sua tensão naquele momento.
O problema é que a punição não favorece na criança a compreensão do motivo pelo qual seu comportamento está equivocado, mas cria o medo de ser punida novamente. Logo, ela não aprendeu o comportamento correto com a surra, apenas aprendeu que precisa evitar apanhar novamente. Com isso vem a possibilidade de repetir o mesmo comportamento, porém escondido dos pais. O distanciamento entre pais e filhos tende a aumentar e o contato afetivo positivo fica empobrecido, de modo que vínculos relacionais sadios começam a adoecer.
O castigo físico de forma ‘leve’ também é prejudicial?
Qualquer forma de punição é prejudicial, até mesmo as psicológicas, que não envolvem contato físico. Alguns exemplos de punições psicológicas são: ameaça do rompimento do laço emocional, demonstração de indiferença à criança, isolamento da criança, ameaça de “deixar de amar”, etc. Todas estas formas de punições psicológicas elevam a tendência da criança se sentir rejeitada, ameaçada de perder a família e sentir-se insegura quanto ao vínculo com os pais, por exemplo. Para a maioria dos adultos, talvez isto soe banal, mas para uma criança a ideia de perder os pais equivale à sensação de que pode morrer. Ela não entende isto como uma ameaça feita um momento de emoções acaloradas, ela realmente acredita que isso pode acontecer.
Em suma, não importa se a criança foi punida com ameaças, com uma surra de cinto ou com uma palmada no bumbum, todos estes meios farão com que ela se sinta estressada e possivelmente trarão as emoções citadas anteriormente. Situações de estresse elevam os níveis de Cortisol. Este hormônio, quando em doses mais altas, aumenta os riscos de desenvolvimento de diabetes, hipertensão arterial e depressão.
A agressão física, ainda que feita para corrigir após uma arte considerada ‘grave’, prejudica a saúde mental das crianças?
Dificilmente a criança entende a diferença entre uma arte leve e uma arte grave. Aliás, dependendo da idade, dificilmente ela entende que está fazendo arte. As crianças aprendem a agir e ser no mundo por meio da exploração. Elas querem ver, tocar, experimentar com o paladar, testar se conseguem subir em cima da mesa, etc. Crianças absorvem o mundo por todos os sentidos e isso é absolutamente importante para seu desenvolvimento. Portanto, subir em uma árvore não é arte, é exploração do que ela consegue fazer por conta própria e das habilidades motoras do próprio corpo. Ela não sabe o que é perigoso ou não. Por estas razões é muito importante que os pais conheçam as fases do desenvolvimento da criança. Quanto mais souberem, melhor. Porque muitas vezes confundem um comportamento da criança com afronta à autoridade deles. Um exemplo disso é quando o adulto chama a atenção da criança, dá uma bronca e ela ri. Muitos pais acham que ela riu da cara deles, num comportamento de franco desafio, quando na verdade a criança sorri para ver se os pais também sorriem, porque o sorriso não é hostil como um grito.
Quando as crianças sofrem agressão após fazerem arte, o que se passa no inconsciente delas?
Dependendo da idade, elas sabem que fizeram algo que lhes foi dito para não fazer, porém dificilmente entendem o porquê de não poder fazê-lo. Com menos idade, eles sequer sabem que estão fazendo arte, apenas estão vivendo o momento presente, agindo sobre o mundo e explorando, como mencionado anteriormente. Antes dos dois anos de idade a criança nem mesmo tem a capacidade cognitiva de compreender a palavra "não". Toda vez que que a gente ouve uma frase, nosso cérebro ativa os circuitos neuronais que representam as ideias contidas na frase. Por exemplo: se alguém lhe disser "não coloque a mão no fogo", você vai primeiro representar o que é colocar a mão no fogo. Depois, seu córtex pré-frontal vai controlar o impulso do seu cérebro de colocar realizar essa representação. Porém, nas crianças, o córtex pré-frontal não está bem desenvolvido e não funciona como o de um adulto, de modo que se você disser "não coloque a mão no fogo", talvez o movimento reflexo dela seja o de colocar. Muitos pais, sem saber disso, acreditam que a criança fez para provocá-los.
Fazer ‘arte’ é um comportamento normal das crianças? Deve haver correção?
A correção deve sim acontecer, mas a questão é a forma como isso é feito. A primeira coisa que os pais precisam fazer é mudar algumas coisas no próprio comportamento, começar a exercitar uma boa dose de paciência e compreender que as crianças não estão a fazer coisas para provocá-los. Mesmo que o façam, a melhor alternativa é manter-se calmo e acolher aquele sentimento, conversar com a criança sendo gentil, porém, sem deixar de ser firme. Firmeza não é sinônimo agressividade. Podemos ser firmes e gentis ao mesmo tempo, tratando a criança com o respeito com o qual queremos que ela nos trate. As crianças absorvem imensamente nossos modos de comportamento e tendem a repetir nossos padrões com outras pessoas. Portanto, sejamos nós os modelos da forma como queremos que nossos filhos se comportem.
Todo comportamento inadequado de uma criança, todo erro que ela comete, precisa ser visto como uma oportunidade de treinar e ensinar outra forma melhor de se comportar. Sim, muitas vezes os pais vão perder a paciência, é natural. Mas estejam dispostos a começar de novo e insistam na ideia de usar as oportunidades para ensinar a forma correta de se fazer as coisas.
Qual a forma correta de corrigir comportamento inadequado dos filhos?
A forma que eu acredito ser mais correta é mantendo o equilíbrio. Não podemos ser pais punitivos, agressivos, obcecados pelo controle do corpo, dos pensamentos e sentimentos das nossas crianças. Precisamos entender que são pessoas, que também vão errar, fazer escolhas não tão boas e aprender, como nós adultos também fazemos. Nosso papel é o de contribuir para que as crianças deem significado para as próprias experiências.
Ao mesmo tempo, não devemos ser permissivos demais, deixar os filhos fazerem tudo o que quiserem sem regras, sem consequências, porque assim se tornarão pessoas que não conhecem frustração e responsabilidades, que são duas das matérias primas essenciais na formação do caráter.
Quando for corrigir seus filhos, tente compreender o que está por trás do comportamento. Todo comportamento acontece por uma razão, buscar a raiz deles é essencial, porque assim damos foco na resolução e não no problema. Punir dá foco ao problema. Acolhimento, encorajamento para fazer melhor e uma postura de apoio para resolver a questão, dão foco na resolução. Corrija de forma cooperativa, não de forma policialesca. Estabeleça limites sábios de forma que as crianças participem da elaboração destes limites, de forma que se torne um acordo, um compromisso, uma colaboração entre as duas partes. Quando você precisar exercer seu discernimento sem a interferência da criança, explique os motivos com respeito e exerça. Mas nunca perca de vista a cooperação, o acolhimento, a compreensão, a gentileza, a firmeza, o respeito e o encorajamento.
Fonte: Cristina Nunes / douradosagora.